quarta-feira, 27 de setembro de 2017

Os jogadores da NFL estão dizendo algo

                                                                   (imagem: O Globo)

Um dos esportes mais consumidos pelos norte-americanos está passando por um momento de euforia política, dividindo patriotas e defensores da “liberdade de expressão” norte americana. Na realidade, trata-se do fenômeno esportivo materializando as relações mais gerais dentro das suas 4 linhas. Desde a eleição que nomeou Donald Trump presidente dos Estados Unidos, uma cortina de medo e revolta paira sobre a população que já sofre há algum tempo com o genocídio do seu povo negro. Seus discursos carregados de incentivo à divisão racial, religiosa e claro instigando a xenofobia, desenterrou alguns monstros, como a passeata da extrema-direita em Charllotesville, suásticas decorando fachadas de residências e vandalismos em templos muçulmanos.
Um quarterback é o protagonista de um crescente movimento político dentro do evento que movimenta milhões em transmissão, vendas de ingresso e lucros em produtos licenciados. A mais ou menos um ano, Colin Kaepernick, ex- San Francisco49ers, hoje, desempregado, iniciou uma onda de protestos simbólicos durante o início das partidas da liga, mais precisamente durante a realização do hino nacional norte americano. O jogador ajoelha-se em protesto. O que para vários patriotas significa uma afronta, uma injuria, para ele é um ato em resposta ao genocídio do povo negro contra a violência estatal nos EUA.

                              (Colin, de joelhos, durante a execução do hino)


Alguns críticos creditam a demissão do atleta e a sua não contratação ao seu mau desempenho durante algumas partidas, entretanto, o incomodo do presidente Donald Trump, que chegou ao nível de chamar o atleta de “filho da puta” e a solicitar que os amantes do fenômeno esportivo deixem de prestigiar os eventos da NFL, nos indica que algo de maior há por trás da polêmica. Assédio moral e ameaças também fazem parte das declarações do mandatário: “Se os seguidores da NFL se recusarem a ir aos jogos enquanto os jogadores desrespeitarem nossa bandeira e nosso país, vocês verão uma mudança rápida. Demitam ou suspendam [os jogadores]”.
Essas declarações causaram uma onda de solidariedade a pauta do quarterback. Inclusive, equipes que fizeram doações de campanha ao presidente racista, se posicionaram em suas redes sociais contra seus comentários. Obviamente, seria uma contradição muito grande se as equipes não se posicionassem a favor dos seus atletas negros, que são maioria dentro do esporte. O que causa dúvidas é se, realmente foi um ato gentil com essa população financiar a campanha de um candidato que sempre se posicionou segregacionista. Até a década de 60 no país a comunidade negra sofria com leis de segregação racial e hoje, possuem piores moradias, piores postos de trabalho e lotam os presídios.  
Por outro lado e dentro da perspectiva da causa negra, diversos jogadores aderiram à manifestação durante as partidas nos EUA e no mundo, inclusive, celebridades do mundo da música, artistas, apresentadores de TV e produtores musicais, utilizando em suas publicações nas redes sociais a hashtag #TakeTheKnee. O que demonstra um enfrentamento ao presidente e a todo o contexto, sem esquecer do peso simbólico que é uma representação esportiva encarar toda a lógica econômica por trás desses grandes eventos, na luta por uma causa. Me lembrou Tommie Smith e John Carlos, com seus punhos cerrados nas olimpíadas do México, em 1968.
O esporte instigando uma mobilização política de enfrentamento, diante de um cenário de recrudescimento da moral conservadora, racista, fascista. Se observarmos na nossa história e em outros “estádios”, o esporte já serviu de objeto de hipnose (do grego hipinos = Sono, Latin osis = ação ou processo) das massas, particularmente no período da ditadura civil/militar, e na Alemanha nazista. O que unia todos no “mesmo sentimento”, num momento histórico parecido, agora divide opiniões e críticas. Coloca em exposição mazelas sociais que pareciam invisíveis, e provocam à reflexão se realmente existem ambientes propícios ou adequados para se discutir, expressar, ou denunciar a violência de uma forma geral, já que vivemos numa “democracia”. Uma excelente pauta para nossas aulas na universidade, escola, academia...
            Uma boa oportunidade para nós da Educação Física, ou não, refletirmos sobre nossas práticas, já que nossa conjuntura não é tão diferente. Além do genocídio do povo negro em nosso país, estamos passando por um desmonte das universidades públicas, nos programas de incentivo e permanência de estudantes e de atletas (o governo enviou uma proposta orçamentária reduzindo 87% das verbas disponíveis para os programas do ministério dos esportes), que vai afetar resultados de uma maneira geral. Na escassez de concursos públicos e no fortalecimento da lógica de que o local do/e o acesso ao esporte é exclusividade da esfera privada.      

Deixo, por fim, um recado bem interessante. Não precisamos esperar o momento do hino!

Agora estão me levando
Mas já é tarde.
Como não me importei com ninguém
Ninguém se importa comigo.
(Intertexto – Bertolt Brecht)

REFERÊNCIAS


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